terça-feira, 24 de janeiro de 2012

CARTAS AO MESTRE

Esses são textos reflexivos de uma coletânea que estou começando a escrever...



Mestre. Eu te saúdo e a todos os que, revolvendo o pó da nossa história, trouxe sua excelsa figura ao mundo.
Procuro-te mestre, nesta tarde vazia e mansa, pois tenho o coração raso de dor e certa dose de solidão que me procura sempre antes do sol se pôr. Pergunto-te Mestre, sobre o amor. Sim, sobre o impulso primeiro que nasce nos olhos e ziguezagueando chega ao peito. Lá se instala. E nada há que eu conheça que possa arrancá-lo do seu recanto escondido. Diga-me Mestre, sabereis vós, por acaso como tirá-lo? Sigo eu de forma a persuadir-me de que o amor não me domina e que tenho como por termo essa inquietante emoção que me invade. Por acaso vós, que és mestre em tudo o que o homem sonha conhecer, algum dia apaixonas-te por alguém? Deveras sei que a paixão é um sentimento para homens incompletos, senão, a mera figura que me atormenta ao raiar do dia, e no deitar do astro-rei no poente, não me causaria tamanho constrangimento. Isto posto, quero apenas situar a vós, como vejo a mulher que amo, todavia, daí aparos ao que narro, visto que, como dizem os antigos na arte do coração, o apaixonado vê borboletas em todas as lagartas da terra. Começo, sem dúvida, pelos olhos, pois que foram esses dois demônios que me assaltaram em primeiro lugar, e que me dominaram com vontade de ferro. Ah! Essas gemas certamente preciosas que brilham com uns ares roubados de algum mar distante. Pousam sobre mim como pombas delicadas e partem como rapinas, levando aquilo que mais as interessam. Miro teus olhos, Imensos lagos eurasianos. Formas perfeitas. Sonho de Tuthankhamon. Guardam, silibinos, um segredo inacessível, Enigma indecifrável, sobretudo para meus parcos conhecimentos nos mistérios que as mulheres invariavelmente detém.
Devo, para não perder-me, falar da sua voz. Quisera eu mestre, ainda estar ao teu lado, e poder desfrutar contigo o prazer de ouvir aquela suave voz de gueixa. Lambem os ouvidos como as ondas lambem a areia, pois é , de certa forma, surpreendente, que observo espumas surgirem sob meu peito. Dizem os homens santos de Araph, que vós certa vez, ouvira a voz dos anjos, atrevo-me o dizer, observando sua paciência para com meus erros juvenis, que já ouvistes então a voz da minha amada.
Sua pele exala os exóticos aromas dos arredores de Tymben-Palie. Lembra-se da noz de ameixa? Aquela que nasce apenas uma vez por ano, ao pé do monte Yan Ztuan. Suas flores pequeninas recobrem todo o campo, num aroma acridoce, vencendo a batalha com as grandes árvores e as frondosas flores? Pois assim é que vejo, corpo tão pequeno exalar perfume tão imenso.
Por fim, quero descrever a vós, ainda que nada seja novidade para quem beijou perfeições de outras esferas, o toque daquela que me roubou os sentidos.
A primeira vez que senti seus dedos roçarem meus ombros foi na colheita de Ashran. Carregava comigo oito fardos do mais belo arroz, colhidos com a mais perfeita disciplina, quando, apesar de todos os conselhos que vós, mestre, me deu, balancei, desconhecendo por um segundo minha própria capacidade. Ela, que quase não reparei de início, súbito me tocou, ajudando discreta, a boa colocação do contra-peso.
Confesso que fiquei um tanto afoito, perseguia-me desde então aquele toque, convidando-me à descoberta de um mundo novo, mais perfeito e completo que aquele em que me vi mergulhado desde que nasci. Seria um convite ao prazer? Lembro-me das tuas lições sobre a incompletude e busca. Do destroçar da alma insatisfeita, perdida entre torvelinhos de angústia, sem jamais saber o que, de início, foi o seu objeto de desejo. Por este motivo, aquiesci.  Talvez. Ou talvez foi pela inocência estampada em cada contorno daquele rosto, mapa bem traçado da superfície celeste.
Por outro lado, via em seus gestos, modos de certa nobreza, vinda, por certo, de Bahish.
Nos ossos da cintura, um côvado, perfeito triângulo natural, passagem certa para vasta prole. Elegante nos gostos refinados. Porcelana da china, tapete persa, licor de Cashiah.
Não descrevi ainda, composição final de bela obra, os cabelos, belos e negros bordados. Como teia sutil na fronte, transfigura belíssima moldura. Invejo o vento, único a sacudir-lhes, e sentir-lhes os sedosos e intrínsecos segredos.
Eis descrito enfim, a mulher que me assombra, bela e meiga, gentil e doce, solitária e triste. Por todas as manhãs da minha vida. Pelo menos, da parte que ainda lembro.
Por isso escrevo-lhe mestre. Vós que recrutou mouros no oriente. Que percebeu a falha do mundo, sentando no alto da montanha Iaht. Que mergulhou a mim e aos da minha espécie nas tuas estranhas águas e de quem jamais eu poderei encontrar perfeição igual. Responde aquele que por ti ora e espera...Será o Amor? Visita-me o sentimento que só os deuses conhecem? Como saberei se estou certo? Devo então adorá-la como os pequenos mitos da nossa infância? Ou devo agora, mais que nunca, abrir mão daquilo que me faria, certamente, menor?
Anseio tua resposta mestre, como quem anseia a próxima respiração.
Eu te saúdo e a todos os que, revolvendo o pó da nossa história, trouxe sua excelsa figura ao mundo.

                                                                                                                      Ang.

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