Maceió, o dia nasce como um paraíso a beira da praia de Jeriatá, meu paraíso secreto, há dois meses que estou aqui, acordando com o sol, dormindo aos primeiros vislumbres da lua, olhando o horizonte em busca da tempestade, certo de que ela virá, pois é a única constante em minha vida. Sonhos confusos, Serafins prateados cantam hosanas libertinas e demônios envoltos em vapores escaldantes sussurram seus segredos devassos; fugir torna-se a única opção; embora esteja sempre preso a mim mesmo.
Acordo de mau humor como sempre, o peso extra na cama me chama a atenção; o pacote com o maldito símbolo deles. A Fundação. Olho ao redor a procura de alguém, nada. Se eles sabem onde estou irão me atacar em breve. Um leve batido na porta, minha perna se retrai e chuta minha arma, um arco no ar e ela para em minhas mãos, miro na porta e preparo para atirar, então uma voz escrotamente conhecida me faz parar no momento que o filho da mãe entra.
- Samuel! Seu maldito perdigueiro, como você chegou aqui?
- Me convida pra entrar e eu te conto Cris.
- Você já está dentro...
Samuel Marquichio, um perdigueiro, um dos maiores perseguidores da Fundação. Um dos meus últimos amigos, alguém que pensei estar morto há muito tempo.
- Não achei que fosse tão bom? Qual o problema desta vez?
- Querem você, Cris! A Fundação vai mandar outro fabricante a sua procura. Um dos piores.
- Eles não vão me encontrar, a não ser que você conte.
- Você sabe que eles vão. As coisas andam feias por lá Cris, estão chafurdando nas entranhas do demônio.
- Por isso você trouxe o pacote?
- Que que pacote?
- Deixa de onda, onde você conseguiu?
- Não foi ele Cris. Fui eu!
A porta aberta deixa passar a sombra, minha espinha volta a arrepiar, merda, isso quer dizer encrenca, o homem chamado Gabriel entra na casa.
- Preciso de você! – As palavras vibram numa intensidade misteriosa. Algo entre o abismo e a amplitude parece surgir da garganta do pretenso representante do céu.
- Não tô mais afim de encarar teu tipo de trabalho.
- Não é uma questão de querer, e sim de escolha, e ela nunca pertenceu a nenhum de nós.
- Pro Diabo com tudo isso, eu não jogo pelas suas regras. No meu tipo de jogo, quem coloca ases na manga costuma sair sem o braço! – Cristian se impacienta, ele pressente que o parco controle que ele tem sobre sua vida vai novamente sair de suas mãos.
Gabriel permanece tranqüilo. – Neste momento, um homem imprudente cede às tentações de um velho Diabo, sangue inocente correrá para sacramentar esse pacto infame.
- Ninguém é inocente!
- Mas todos merecem a chance de se redimir, inclusive você!
Distante dali, num local profano, uma alma completamente sórdida e promiscua encharcasse com o sangue de animais sacrificados. O som de instrumentos Arcanos explodem na madrugada como gritos de horror pela cena dantesca. Uma voz iníqua invoca uma entidade ainda mais maligna.
- Pelas seiscentas e sessenta e seis falanges negras do inferno, EU o invoco BELIAL, ArquiDuque das Profundezas Abissais. Derrama sobre mim a tua chama macabra, fecha meu corpo a todo flagelo, incandesce meus olhos com a lascívia fescenina, penetra em meus poros e incuba-me com teu furor, que eu seja um instrumento da tua desgraça!
O som atinge o clímax. As correntes luxureantes impregnam o ar como enxames de vorazes vermes microscópicos. Uma capa negra, jogada sob um exótico trono eleva-se possuída de vitalidade, rodopios bizarros e gemidos estentóricos causam pânico mesmo às almas mais corajosas, símbolos negros surgem do nada, caveiras, ossos e carnes em decomposição, tudo de mais degradante e intolerável compõe o conjunto aterrador. Então, uma voz absolutamente maldita macula mais uma vez a Terra acima do esquecimento.
- A TI, SERVO LEAL, CONCEDO O QUE ME PEDES. ESPALHA DOR EM MEU NOME. PRESENTEIA-ME COM COTAS INESGOTÁVEIS DE SANGUE, OFERTA-ME SOFRIMENTO E TUDO SERÁ SEU. PLANTA A MISÉRIA QUE ENGOLIRÁ O PASTO VIVO CHAMADO HOMEM.
Um som que poderia ser tido como um riso estranho e louco corta a noite, o homem conhecido como MOLOCH sente um poder macabro atravessando seu corpo. – Tragam-na! – A uma ordem sua dois homens trazem uma mulher nua, ela se debate com terror enquanto fortes mãos jogam-lhe bruscamente sobre o chão do salão. Uma faca brilha na penumbra e sua garganta é cortada sem piedade. O sangue quente e vermelho jorra, urros e profanações se confundem aos sons cada vez mais altos de orações escritas por seres mais antigos que o homem.
Tudo então silencia. O poder de Moloch se renova mais uma vez.
Ele acredita estar pronto.
Brasília: Prédio do Instituto Nacional de desenvolvimento estratégico. Uma área pouco visitada. Para muitos políticos, militares e repórteres, não passa de mais um cabide de empregos a escoar o dinheiro publico. Porém, no interior deste prédio, mais precisamente nos trinta andares encravados no solo brasiliense, se esconde uma das mais secretas instalações de repressão do Governo brasileiro – A famigerada FUNDAÇÃO.
- O farejador deu notícias?
- Negativo, o farejador sumiu!
- O que? Você acha que estou brincando?
- N-não senhor...é que ele desapareceu sem deixar vestígios, e como o senhor sabe, é quase impossível localizar um farejador, principalmente “este” farejador...
- Liberem os Retaliadores!
- Em campo?
- Você não se tornou consultor da Fundação fazendo perguntas idiotas. Eu quero Cristian morto. A Fundação só precisa de um Fabricante vivo. E já fizemos nossa escolha.
- Assim será feito Superintendente. Assim será.
Maceió – Praia de Jeriatá:
Cristian está sozinho. Seu amigo Samuel deixou passagens e endereços para ele e desapareceu, Cristian sabe que só o verá novamente se ele assim quiser; a vida não costuma valer muita coisa quando se é alvo da Fundação. Gabriel deixou um endereço. Rio de Janeiro. Alguém o ajudará a encontrar seu alvo.
Na cama, o pacote parece um pedaço de merda esperando para sujar suas mãos. Cristian traga o cigarro de maneira perigosa. – Merda! Caralho! – O grito de frustração não o acalma, a sensação ruim impregna nele como o aroma de uma prostituta barata. Cristian abre o pacote.
Uma camisa negra composta de Kalvex, uma variação ultra-aperfeiçoada do Kevlar desce suavemente sobre seu corpo como um animal que reconhece o dono, a calça é vestida com cuidado, botas especiais completam o conjunto, o Sobretudo negro envolve, mais que seu corpo, sua alma. A escopeta modificada é colocada no coldre das costas, pequena, dois canos. Um tiro pode derrubar uma parede. Duas pistolas negras são retiradas. Cristian olha-as demoradamente. Nojo ou prazer? Talvez nem ele saiba o que sente neste momento. Ele tem uma única certeza. A única que o acompanhou durante muito tempo. Ao colocar as armas no coldre Cristian Bernardoni deixa de existir, agora apenas há o FABRICANTE DE CORPOS.
A SEGUIR: Quando o sangue jorrar
na escura noite,
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